05.DEZ.2025
"Esse post parece IA": como a audiência está reagindo ao conteúdo automatizado
Deepfakes, vídeos gerados por inteligência artificial, imagens hiper-realistas criadas com um clique. O conteúdo automatizado se tornou tão comum que já não surpreende, mas começa a gerar uma reação preocupante: a desconfiança generalizada. E o mais curioso é que isso não afeta só os mais velhos, mas também os jovens, aqueles que cresceram navegando na internet.
Nos últimos meses, tem se tornado cada vez mais comum ver comentários como “isso parece IA” ou “certeza que foi gerado no ChatGPT” em posts de marcas, vídeos virais e até depoimentos de pessoas reais. Essa reação não nasce do acaso. Estamos vivendo uma era em que a inteligência artificial deixou de ser uma ferramenta de bastidor e passou a ocupar o palco principal da produção de conteúdo. O resultado? A nossa noção de autenticidade começou a balançar.
Segundo uma pesquisa da Adobe de 2024, 76% dos consumidores afirmam ter dificuldade em distinguir o que é real e o que é gerado por IA nas redes sociais. E o mais alarmante: 51% dos jovens da Geração Z já relataram ter compartilhado algum conteúdo falso por acharem que era legítimo. Estamos falando de uma geração nativa digital, que nasceu imersa em tecnologia, mas que hoje também está vulnerável a narrativas falsas e manipulações visuais sofisticadas.
A dúvida constante sobre a origem do conteúdo cria um efeito colateral grave: a desconfiança como padrão. Se tudo pode ser fabricado, como confiar em algo? E se todo vídeo bonito parece fake, como diferenciar quem é de verdade?
Essa mudança de percepção traz desafios diretos para quem produz conteúdo, seja uma marca, um criador ou um time de marketing. A autenticidade sempre foi um valor importante, mas agora ela precisa ser não apenas percebida, mas comprovada.
Bastidores, making of, depoimentos sem roteiro, vídeos mais crus e interações reais estão se tornando cada vez mais valiosos. Não porque são mais bonitos, mas porque são mais difíceis de serem replicados por IA. Mostrar o processo, o erro, o bastidor virou parte da estratégia para garantir que as pessoas confiem no que estão vendo.
Algumas marcas já entenderam isso. A Dove, por exemplo, lançou recentemente uma campanha global com o manifesto "Keep Beauty Real", comprometendo-se a não usar IA na criação de imagens de mulheres em seus anúncios. A ação veio como resposta direta à crescente preocupação do público com padrões irreais gerados por inteligência artificial.
Do outro lado, temos o uso estratégico da IA, como fez a Heinz em sua campanha "AI Ketchup", onde pediu para diferentes inteligências artificiais desenharem ketchup. O resultado? Todas criaram algo parecido com o produto da Heinz, provando, de forma divertida e inteligente, o quanto a marca já está enraizada no imaginário coletivo. Ou seja, não é sobre usar ou não IA, mas sobre como usar com propósito e contexto.
Se por um lado a IA traz ganho de produtividade, eficiência e possibilidades criativas, por outro exige responsabilidade. Não dá mais para produzir conteúdo só pensando em viralizar. É preciso pensar no impacto que ele gera, na confiança que constrói (ou destrói) e no tipo de relação que cria com a audiência.
Para quem trabalha com comunicação, esse é o momento de refletir: o conteúdo que você produz passa verdade? Ele resistiria a uma checagem básica de autenticidade? Ele aproxima ou afasta o público?
Como reagir a esse novo cenário?
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Transparência é prioridade: se usar IA no processo criativo, deixe isso claro. Quando o público entende o contexto, a rejeição diminui.
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Mostre os bastidores: fotos espontâneas, vídeos de produção, trechos sem edição. Tudo isso ajuda a reforçar o aspecto humano do conteúdo.
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Dê protagonismo para pessoas reais: colaboradores, clientes, parceiros. Histórias reais, com rostos e vozes reais, têm mais força do que qualquer avatar perfeito.
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Evite o polimento excessivo: quanto mais "perfeito" o conteúdo parecer, maior a chance de parecer fake.
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Esteja pronto para responder: se a audiência questionar se algo foi feito por IA, encare como oportunidade de diálogo e não como ataque.
Em um mundo de conteúdos cada vez mais automatizados, o diferencial volta a ser o que é genuinamente humano. Voz, sotaque, opinião, vulnerabilidade. Tudo aquilo que ainda não dá para replicar com código.
Portanto, se você quer construir relevância e confiança com o seu público, mais do que seguir tendências de IA, vale a pena lembrar: autenticidade é uma escolha diária.